TESTAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Com o aparecimento do coronavírus, uma crise enfrentada não só no Brasil, mas no mundo, resultou num aumento considerável no número de registros de testamento.
Uma das causas deste aumento deve-se ao medo de contrair a doença, além do seu índice de mortalidade, principalmente entre o grupo de risco, que são os maiores de 60 anos e os portadores de doenças crônicas.
Esse movimento é realmente atípico e chama a atenção, já que o brasileiro não tem o hábito de fazer o planejamento sucessório.
Para a realização de um testamento, alguns requisitos devem ser respeitados. Primeiramente, o testador deve ser uma pessoa capaz, maior de 16 anos e deve seguir todos os requisitos legais referentes à modalidade de testamento que escolher.
Mas antes de qualquer procedimento, deve-se observar se o testador tem herdeiros necessários (filhos, netos, bisnetos) e, tendo, deve ser reservado o montante de 50% do patrimônio particular do testador, o qual é de direito desses herdeiros. Então, o testador somente tem liberdade para dispor de 50% dos seus bens.
Existem algumas pessoas que não podem ser beneficiadas no testamento, quais sejam, aquele não nascido até a morte do testador; pessoas jurídicas de direito público externo; aquele que escreveu o testamento; seu cônjuge ou companheiro; seus ascendentes (pais, avós, bisavós) e irmãos; as testemunhas do testamento; o concubino, e; o tabelião, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
Três são os tipos de testamento: público, cerrado e particular.
O testamento público deve cumprir todos os ritos e formalidades expressas em lei. Deve ser escrito por um tabelião, em seu livro de notas, de acordo com as vontades do testador, na presença de duas testemunhas. Depois de escrito, o testamento deve ser lido na presença do tabelião, do testador e das testemunhas e, no final, todos devem assinar o testamento.
Enquanto que o testamento cerrado, o testador ou outra pessoa de sua confiança, poderá escrever o testamento. Mas, ao final, deverá entregar o testamento ao tabelião, e na presença de duas testemunhas se fará a leitura do auto, que deve ser aprovado pelo tabelião e assinado por todos.
Note que essas duas modalidades são inviáveis nesse momento de isolamento social, uma vez que a maioria dos serviços estão suspensos, ou com atendimento muito limitado, e as testemunhas não podem ser o cônjuge, o companheiro, os ascendentes, descendentes e os colaterais até 3º grau, além de necessitarem da aprovação, leitura e assinatura de um tabelião.
Todavia, o Código Civil prevê literalmente a possibilidade de qualquer pessoa capaz (com pelo menos 16 anos de idade), em “circunstâncias excepcionais” declaradas no próprio texto, poder fazer um Testamento Particular, de próprio punho, assinado, sem testemunhas, o qual poderá ser confirmado, a critério do juiz, após a morte do autor do testamento. É o chamado “Testamento Particular em Circunstâncias Excepcionais”.
Importante ressaltar que é indispensável a justificação, que somente merecerá acolhida se for ela ponderável e convincente, de modo a formar a convicção da impossibilidade de serem procuradas testemunhas, ou de extrema dificuldade em serem encontradas.
De todo modo, sendo a legislação bem específica e plena de detalhes, recomenda-se o auxílio de um advogado especializado na área, o qual pode atender remotamente o interessado para a redação do documento.
Ainda assim, pela especialidade da situação em que vivemos, recomenda-se que o Testador reveja posteriormente seu conteúdo e transforme-o em um Testamento Público ou Particular, com as testemunhas em número previsto na Lei Civil, as quais possam atestar em uma eventual ação anulatória pós morte sua capacidade no momento de fazer suas disposições de última vontade.
Em caso de falecimento atual ou futuro, deverá o testamento ser apresentado perante um Juiz competente para que seja analisado e, uma vez aprovado por sentença transitada em julgado, cumpram-se as determinações do testador.
Trago um julgamento do nosso Tribunal de Justiça de Santa Catarina, até recente (novembro de 2019), em que os desembargadores aceitaram como prova a ensejar a capacidade do testador, que era enfermo e hospitalizado, a juntada de uma gravação audiovisual em que aparentava-se a sua lucidez ao ler e revisar o documento. (Apelação Cível nº 0301788-24.2014.8.24.0007, Relator Desembargador Luiz Felipe Schuch).
Portanto, nada impede que o testador isolado pelo coronavírus, além de redigir o seu testamento sozinho, sem testemunhas, nos moldes acima recomendados, faça também um vídeo de si próprio lendo e ratificando suas disposições, o que pode auxiliar em sua aprovação futura, em caso de discórdia entre os herdeiros.
Sendo assim, em tempos de isolamento social em função da pandemia do coronavírus, aqueles que decidirem dispor de seus bens por ato de última vontade, que não conseguirem reunir os requisitos previstos em lei para as formas ordinárias de testar, devem fazê-lo nos termos do artigo 1.879 do Código Civil.
Escrito por:
Sabrina Maia de Oliveira do Amaral
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões.