PANDEMIA X RELACIONAMENTOS ABUSIVOS
Em meio a toda essa problemática que estamos vivenciando com o aparecimento do coronavírus, uma infeliz realidade impacta as relações familiares. O isolamento social ao qual estamos fadados a cumprir está fazendo com que as famílias convivam longos períodos conjuntamente, debaixo do mesmo teto, resultando em momentos de alegria para uns, enquanto que para outros, momentos de verdadeiro desespero.
Isto ocorre justamente porque o lar, que era para ser considerado um refúgio de paz após um longo dia de trabalho, para uma grande maioria, não o é, mas são tidos como torturantes. São as pessoas que trocam a oportunidade de estar com a família no final do dia, por incessantes horas de trabalho para evitar o retorno ao lar, por exemplo. E a razão disso é assunto já bastante corriqueiro entre nós brasileiros, pois inúmeras leis, políticas públicas e programas de conscientização foram e são amplamente difundidos, mas essa tribulação permanece. Estamos nos referindo aos relacionamentos abusivos no seio familiar.
Como forma de elucidar ainda mais essa adversidade social, trago um levantamento feito em março de 2019 pelo G1, período em que o Brasil teve 4.254 homicídios dolosos contra mulheres no ano de 2018, sendo que, deste total, 1.173 são feminicídios (crime motivado pelo fato de a vítima ser mulher). Uma segunda estatística, também desta década, apresentada pelo Instituto Maria da Penha, revela que a cada 2 minutos, 5 mulheres são violentamente agredidas.
Diante dos números e dos fatos, os relacionamentos abusivos crescem em larga escala, de forma expressa ou tácita, letal ou de maneira suave, discreta, merecendo a tutela integral do Estado e da sociedade. Sim, todos devemos movimentar esforços e recursos para que um comportamento tão rudimentar como este deixe de fazer parte de uma sociedade que anseia por progresso.
E na atual conjuntura, onde a atenção do mundo é encontrar a solução para ceifar a pandemia que nos assola, concomitantemente, é mister bradar ao Estado e à sociedade a ocorrência de outro mal que toma conta dos nossos lares e que não dará trégua durante o isolamento social, muito pelo contrário, ele vem aumentando consideravelmente, inclusive, tendo como consequência a violência doméstica. Longe de mim desprezar a dimensão e a importância do COVID-19, mas é necessário acenar a essa demanda que, ao contrário da pandemia, não tem prazo para terminar.
A informação é, sem dúvida, uma arma poderosa para combater o abuso nos relacionamentos familiares. Temos, para tanto, as Delegacias da Mulher espalhadas por todo o país, bem como efetivas formas legais de proteger aquelas que são vítimas, além de um instrumento destinado a atender essas mulheres em situação de risco, o chamado “Disque 180” (Central de Atendimento à Mulher). Porém, é relevante aqui expor que os abusos são silenciosos e devastadores, passam de maneira despercebida por todos, e às vezes só se faz presente quando resta à vítima somente a morte.
Logo, no isolamento social, ou quando a vida normal for restabelecida, devemos de igual forma voltarmos os nossos olhos aos abusos que ocorrem na esfera familiar, uma vez que somente por meio de permanente atitude preventiva e solidária, para consigo e com terceiros, é que combateremos este mal.
Escrito por:
Sabrina Maia de Oliveira do Amaral
Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões.